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Um qualquer processo que ocorre no mundo que nos rodeia, seja ele químico ou de outra natureza, produz um som característico que pode ser audível, de altura definida ou indefinida, ou ser não audível. Nesta perspetiva, tal identidade sonora  poderia ser considerada uma propriedade a acrescer às demais existentes, designadamente, as físicas e as químicas. 

 

Mas como tal poderá ser possível?

 

O som pode ser visto como um fenómeno psicofísico ou como um um fenómeno físico, consoante se está interessado no estudo da sua perceção auditiva ou no estudo da sua produção e propagação, respetivamente. Enquanto fenómeno psicofísico, o som refere-se à sensação auditiva que provoca; enquanto fenómeno físico refere-se a uma vibração causada por uma perturbação que se propaga num meio (sólido, líquido ou gasoso) que pode vir a causar uma sensação auditiva. O som 

pode ser produzido por diferentes processos. Para que se possa ajudar a analisar e a averiguar se o som de uma reação química pode ser traduzido por notas musicais, constituindo essa identidade sonora, só por si, uma propriedade intrínseca de uma reação química, irá ser analisado o processo em que o som é produzido pela vibração de um objeto.

Quando sofrem uma deformação por intermédio de uma perturbação, todos os objetos entram em vibração com uma ou mais frequências que lhe são características (frequências próprias), que dependem das suas propriedades físicas - massa, elasticidade e amortecimento. A cada uma das frequências referidas, corresponde a um modo particular de vibração dos objetos, nomeando-se cada um deles por modo próprio vibratório ou somente modo vibratório. Mas salvo alguns casos muito peculiares, é que um objeto vibra com um único modo vibratório. Assim sendo, de um modo geral, um som real é um som complexo (constituído por mais do que uma frequência), podendo este ser visto como o somatório de sons simples, também nomeados de sons puros (constituídos por uma única frequência), ou seja, o movimento vibratório de um objeto que está na origem de um som real, resulta da sobreposição de vários modos próprios. A cada uma das frequências constituintes de um som complexo chama-se componente ou parcial. O primeiro dos seus parciais é intitulado pelos músicos de som fundamental, tratando-se daquele cuja frequência corresponde ao primeiro modo vibratório, ou seja, aquele que tem a frequência mais baixa. Esta frequência é aquela que é usada para determinar o nome da nota musical de sons musicais, que lhe está historicamente associada por convenção. Outra informação que se pode acrescer é que se um parcial de um som complexo tiver uma frequência que é um múltiplo inteiro da frequência do som fundamental, este diz-se harmónico, caso contrário, diz-se não-harmónico. A animação seguinte permite percecionar de como a sobreposição de vários sons puros origina um som complexo, em particular um som complexo com parciais harmónicos, tanto do ponto de vista físico, por intermédio da observação da representação temporal da onda que representa os sons puros e o próprio som complexo, bem como do ponto de vista auditivo, pelas suas sensações de altura respetivas. 

Outra informação que se pode indicar, dada a sua relevância, é que um som complexo constituído por somente parciais harmónicos corresponde a um som periódico, ou seja, este apresenta uma configuração que se repete no tempo em intervalos de tempo iguais. Do ponto de vista auditivo, um som periódico promove uma sensação sonora de altura definida. Mas existem também sons complexos que não têm somente parciais harmónicos, e para tal basta que um parcial não seja harmónico. Estes correspondem, por sua vez, a sons não-periódicos. Do ponto de vista auditivo, um som não-periódico promove uma sensação sonora de altura indefinida, sendo esse tipo de som, na maioria das vezes, classificado como um ruído. Na imagem seguinte exibe-se exemplos que retratam os dois tipos de som abordados: o som de uma nota musical tocada num saxofone tenor, som de altura definida, que cuja representação temporal é aproximadamente periódica; o som de uma queda de água e dos pratos quando percutidos, sons de altura indefinida, que cuja representação temporal é não-periódica.

Mediante o que se disse do ponto de vista teórico, não seria de esperar que ao som de uma nota musical tocada num saxofone tenor, correspondesse uma representação temporal periódica em vez de aproximadamente periódica, uma vez tratar-se de um instrumento de altura definida? Na realidade, em rigor, não existem sistemas harmónicos! Por exemplo, o facto do som de alguns instrumentos musicais serem de altura definida não quer dizer que os parciais que os compõem tenham frequências múltiplas inteiras do som fundamental, ou seja, que sejam constituídos apenas por harmónicos. Os instrumentos musicais de altura definida são, na prática, osciladores aproximadamente harmónicos, sendo assim ligeiramente inarmónicos, isto é, o valor dos seus parciais não harmónicos afastam-se pouco do valor das frequências múltiplas do som fundamental. Já agora, pelo contrário, os instrumentos musicais de altura indefinida, como por exemplo,  os pratos, produzem sons complexos e inarmónicos.

Contudo, os músicos não estão preocupados em perceber um som musical em termos das suas frequências consituintes, porque o que executam são sons e não frequências. Numa partitura musical não são apresentadas as frequências dos sons a tocar mas sim as notas musicais que as simbolizam. Por outro lado, apesar de instrumentistas utilizarem harmónicos na sua prática instrumental, como por exemplo, instrumentistas de sopro e de cordas friccionada e beliscada, estes não têm conhecimento que os harmónicos possuem frequências múltiplas da frequência do som fundamental mas apenas quais os intervalos que existem entre os harmónicos, partindo de uma nota musical que representa a frequência do som fundamental. Tal é muitas vezes expresso pela chamada de série dos harmónicos, que corresponde a uma representação que traduz a relação de frequências de múltiplos inteiros de uma frequência base, por intermédio da escrita numa pauta das notas musicais que simbolizam todas as componentes ou parciais de um determinado som musical. Na imagem seguinte, a título de exemplo, é apresentada a série dos vinte primeiros harmónicos da nota dó.

Série harmónica dos vinte primeiros parciais harmónicos da nota dó 

A numeração apresentada por debaixo de cada nota musical da série de harmónicos, representa simultaneamente o número do harmónico e o fator multiplicativo a usar para calcular a frequência do respetivo harmónico a partir da frequência do som fundamental, isto é, seja f o valor da frequência do som fundamental, o segundo harmónico terá uma frequência dupla da de f, o terceiro harmónico terá uma frequência tripla da de f, e assim por diante. Outro detalhe a explicitar da representação usada para a série de harmónicos é que a apresentação dos harmónicos 7, 11, 13 e 14 por duas notas, significa que o som desse harmónico se situa entre essas mesmas notas.

 

A forma como um som complexo é habitualmente percecionado é de um modo global, isto é, ouve-se o som complexo como um todo, um único som que conjuga todos os parciais que o constitui sem se aperceber da sua existência, e não percecionado de um modo analítico, ou seja, não se ouvindo os parciais que constitui o som separadamente, embora o ouvido humano tenha essa capacidade. Na animação seguinte é possível ouvir os parciais de um som complexo de um modo analítico, e simultaneamente, o resultado da sua sobreposição. À medida que se vai acrescentando harmónicos, a sensação é, provavelmente, a da formação de um acorde. No entanto, é possível discernir, se atentar-se nisso, que a melodia que se ouve possui como primeira nota o som complexo constituído pela sobreposição dos harmónicos ouvidos isoladamente. A representação apresentada caracteriza essa mesma nota.

A melodia que se ouviu foi tocada por um instrumento musical. Qual? Sim, foi o fagote. Mas será que tudo seria igual se essa melodia fosse tocada por outro instrumento da mesma forma? Não, não seria igual. Apresentaria uma qualidade de som diferente, ou seja, um diferente timbre. O timbre é comummente definido como uma característica subjetiva que faz com que um som em particular seja diferente de outro, mesmo até quando possuem a mesma altura e intensidade. Este depende de várias propriedades do som que não afetam diretamente a altura e a intensidade de um som. Uma dessas propriedades é a distribuição de energia espectral, isto é, o modo como se relaciona a energia das frequências parciais de um som entre si, podendo tal ser traduzido fisicamente, por exemplo, por intermédio das amplitudes das frequências parciais, e auditivamente, pelas suas respetivas sensações de intensidade sonora. A animação seguinte pretende retratar a distribuição de energia espetral de conjunto de parciais harmónicos consituintes de um som complexo:

Se o modo como se relaciona a energia das frequências parciais de um som entre si for diferente do de outro som com essas frequências parciais, ou seja, se dois sons apresentarem uma distribuição de energia espetral diferente, apesar de poderem possuir as mesmas frequências parciais, terão um timbre diferente.

Outra propriedade de que depende o timbre é a envolvente temporal do som. Esta traduz como um som evolui ao longo do tempo, isto é, como começa, como estabiliza ou como se extingue, sendo traduzido caracteristicamente por quatro momentos, o ataque, o decaimento, regime estacionário ou sustentação e extinção ou decaimento final. O ataque corresponde à passagem do silêncio ao som; o período de decaimento final corresponde aquele em que o som se extingue; os outros dois momentos encontram-se compreendidos entre os outros momentos, correspondendo o decaimento a um período que poderá ocorrer um decaimento do som após o ataque antes de estabilizar. A animação, embora que somente graficamente, permite visualizar a envolvente temporal de um som.

Outras propriedades de que depende o timbre de um som são o grau de inarmocidade dos parciais e a frequência.

Na animação seguinte é possível constatar a diferença de timbre entre diferentes instrumentos musicais, sendo percetível a diferente envolvente temporal que cada instrumento apresenta, bem como distribuições de energia espetral diferentes traduzida pela representação da distribuição da amplitude em função da frequência, sendo a altura e a sensação de intensidade sonora aproximadamente constantes para os seis sons musicais executados.

Passemos agora para o domínio das reações químicas. As reações químicas não ocorrem todas da mesma forma. Assim, deste modo, o som produzido por cada reação química, seja ele audível ou não, será possivelmente diferente entre si, podendo este critério ser útil para ser usado na identificação e classificação de reações químicas. Mas como poderá ser possível caracterizar um som de uma reação química em particular? Possuirão as reações químicas frequências que lhe são características, à semelhança dos objetos que entram em vibração? Se sim, como se poderão obter essas mesmas frequências? E a energia de cada frequência componente do som complexo produzido, pois tal assume um importante papel no timbre de um som? 

A técnica que permite a possibilidade de estabelecer a ponte entre o domínio químico e o do som, permitindo dar resposta às questões levantadas, é a denominada transformação ou transformada de Fourier. Esta corresponde, basicamente, a uma operação matemática que reside na decomposição de uma função f numa soma de outras funções com frequências múltiplas de uma fundamental, tendo-se já constatado a possibilidade de tal acontecer aquando da análise de um som complexo com parciais harmónicos; as frequências componentes obtidas são posteriormente distribuídas por todo o espetro de frequência, sendo estas representadas por picos cuja altura está relacionada com o valor da amplitude da função a que se associa. Ou seja, a transformação de Fourier permite passar de uma função f, que depende do tempo, para uma outra função que depende da frequência, designada por transformada de Fourier da função original f, que expressa as amplitudes dessas frequências que estão contidas na função original. Esta operação matemática está retratada na animação aqui exibida.

As reações químicas podem-se fazer representar matematicamente por funções que traduzem o consumo dos reagentes ou a formação de produtos de reação ao longo do tempo da reação química (equação cinética ou lei de velocidade da reação). Deste modo, aplicando a transformação de Fourier a essas funções, é possível obter a distribuição de energia espetral contida na função que exprime o consumo dos reagentes ou a formação de produtos de reação ao longo do tempo da reação química, designada na teoria da transformação de Fourier da função original, tal como se explicou e se retratou genericamente no parágrafo anterior. Na posse desta informação, possui-se assim as características sonoras da reação química estudada, podendo estas servirem, eventualmente, como elementos de identificação de uma reação química em particular, à semelhança do que é possível fazer-se, por exemplo, para identificar um instrumento musical por intermédio das suas características sonoras, tal como descrito anteriormente. 

Será ainda possível expressar a relação de frequências de múltiplos de uma fundamental contidas na lei de velocidade de uma reação química, por intermédio da escrita numa pauta das notas musicais que simbolizam todos esses parciais do som emanado por uma reação química, do mesmo modo que se fez para um som musical por interposto da série de harmónicos?

 

Grande parte das reações químicas produz sons constituídos por frequências baixas, na zona dos infrassons do espetro sonoro. Assim sendo, não seria possível de uma forma direta traduzir essas frequências por notas musicais. O processo proposto (Mahadev Kumbar) é manipular essas frequências e respetivas amplitudes de modo a colocá-las acima da zona do limiar da curva de audição para que seja possível percerber-se algum tipo de sonoridade que possa ser traduzida por notas musicais. A proposta é recorrer à técnica magnificação linear para as frequências e amplitudes obtidas, de forma a que a frequência mais baixa se encontra acima de 20 Hz, limiar mínimo da zona do audível do espetro sonoro. Tal processo não irá permitir a perceção do som real da reação química em questão, mas pelo menos permite conhecer em termos relativos os intervalos musicais, por intermédio da identificação das notas musicais, das frequências que constituem o som emanado pela reação química. Na imagem seguinte expressa-se a relação de frequências de múltiplos de uma fundamental contidas na lei de velocidade de uma reação química, por intermédio da escrita numa pauta musical das notas musicais que simbolizam todos esses parciais do som emanado pela reação de decomposição do pentóxido de dinitrogénio, à semelhança do que se faz quando se constrói uma série de harmónicos de um som musical, podendo ser ouvido as mesmas de um modo analítico na aplicação de audio apresentada:

Audio da decomposição do pentóxido de dinitrogénio - Unknown Artist
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